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Proposta prevê aumento das taxas nos processos judiciais de reconhecimento da cidadania italiana

24/10/2024 | Notícias sobre cidadania
Proposta prevê aumento das taxas nos processos judiciais de reconhecimento da cidadania italiana

No dia 23 de outubro de 2024, o governo italiano apresentou ao Parlamento a nova Proposta de Lei de “Bilancio” (orçamentária) para o próximo ano.

Entre as medidas mais controversas está o artigo 106, que propõe uma taxa de 600 euros para cada requerente a cidadania italiana via processo judicial.

Essa medida é mais uma ameaça ao direito dos ítalos-descendentes e levanta inevitavelmente questionamentos sobre a justiça e a constitucionalidade da medida. Saiba como ela funciona e o que muda caso seja aprovada.

 

Nostrali Cidadania Italiana


O que é a Proposta de Lei de Bilancio?


A Proposta de Lei de Bilancio é o documento anual apresentado pelo governo italiano que detalha o orçamento do Estado, incluindo receitas e despesas para o ano seguinte. A título de comparação, ela é semelhante à Lei Orçamentária Anual (LOA), do Brasil. 

Essa proposta é essencial para a gestão das finanças públicas italianas e estabelece as prioridades econômicas e fiscais do governo.

Todos os anos, essa proposta deve ser apresentada ao Parlamento da Itália até o final de outubro e aprovada dentro de um prazo específico (até dezembro), conforme previsto pela Constituição Italiana e a Lei 196 de 31 de dezembro de 2009, que regula a contabilidade pública e o processo de aprovação do orçamento.


Prazos e processo de aprovação


O processo de aprovação da Lei de “Bilancio” segue um rigoroso cronograma:


- Apresentação ao Parlamento: até 15 de outubro, o governo apresenta a proposta ao Parlamento para discussão.

- Aprovação pelas Câmaras: a proposta é analisada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, onde pode ser modificada e emendada. Ambas as casas devem aprovar o texto final.

- Prazo Final: a Lei de Bilancio deve ser aprovada definitivamente até 31 de dezembro, para entrar em vigor no ano seguinte.


Caso o Parlamento não aprove a lei até essa data, o governo pode ter que operar com medidas provisórias até que o orçamento seja aprovado.


Por que a nova taxa de 600 Euros é contestável?


O artigo 106 da nova proposta orçamentária introduz uma taxa de 600 euros para cada requerente que busca o reconhecimento da sua cidadania italiana via processo judicial.

Essa medida pode gerar controvérsia por várias razões, principalmente pela injustiça que impõe aos requerentes, especialmente àqueles com menor capacidade financeira. Vamos entender por que essa medida é questionável do ponto de vista jurídico.


Barreiras econômicas e acesso à cidadania


Caso o Parlamento da Itália aprove a Lei de Bilancio, isso traria impactos negativos para os ítalo-descendentes, como novas barreiras econômicas para o acesso à cidadania italiana.

David Manzini, CEO da Nostrali Cidadania Italiana, explica os principais impactos de uma possível aprovação:


1. Princípio de Igualdade (Artigo 3 da Constituição Italiana)


A Constituição Italiana, em seu Artigo 3, garante que todos os cidadãos são iguais perante a lei, sem distinções de condições pessoais e sociais. “Ao introduzir uma taxa tão elevada, o governo está criando uma forma de discriminação indireta com base em critérios econômicos”, explica Manzini.

A taxa pode excluir a possibilidade de obter a dupla nacionalidade por parte daqueles que têm direito à cidadania por jus sanguinis, mas não possuem recursos financeiros suficientes para arcar com esses custos adicionais.


2. Direito de acesso à justiça (Artigo 24 da Constituição)


O Artigo 24 da Constituição assegura a todos o direito de acesso à justiça para a tutela de seus direitos e interesses.

Sobre isso, Manzini afirma que a imposição de uma taxa de 600 euros pode representar uma barreira financeira desproporcional. “Isso vai dificultar ou até mesmo impossibilitar que muitas pessoas exerçam seu direito de requerer a cidadania italiana, especialmente aquelas de baixa renda”, comenta.


3. Princípio de Proporcionalidade


Conforme a lei italiana, a introdução de taxas deve ser justificada e proporcional aos custos administrativos que o Estado incorre para processar pedidos judiciais.

A respeito disso, Manzini enfatiza que não há uma explicação clara de que a taxa de 600 euros seja proporcional aos custos reais do processo. “O valor parece excessivo e pode ser visto como uma forma de limitar o número de requerentes, o que é inaceitável do ponto de vista jurídico”, salienta.


4. Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH)


A Itália é signatária da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que protege o direito de acesso à justiça e proíbe discriminações baseadas em condições financeiras.

O Artigo 6 da CEDH estabelece que todos têm direito a um julgamento justo, e o Artigo 14 proíbe qualquer forma de discriminação.

Conforme Manzini, a taxa imposta aos requerentes de cidadania, portanto, pode ser vista como uma violação do direito de acesso equitativo à justiça. “Isso ocorre uma vez que essa nova taxa impõe uma barreira financeira que discrimina os requerentes com menos recursos”, destaca.


5. Diritto alla Cittadinanza come Diritto Fondamentale


Embora o direito à cidadania não esteja explicitamente mencionado na Constituição Italiana, ele é implicitamente protegido como um direito fundamental, ligado à participação plena na vida cívica e política do Estado.

A respeito desta questão, Manzini explica que condicionar o exercício de um direito de cidadania a uma taxa elevada, sem justificação adequada, compromete a essência do direito à cidadania. “Essa medida pode ser vista como uma violação dos princípios democráticos da Itália”, comenta.


Exemplo prático: impacto da proposta de taxa de 600 Euros na cidadania italiana


Para ilustrar como essa nova taxa poderia afetar uma família que busca a cidadania, vamos considerar um exemplo prático.

Suponha que uma família de 10 pessoas esteja solicitando a cidadania italiana via judicial.

Cenário atual

Atualmente, os requerentes de cidadania italiana via judicial que descendem do mesmo antepassado precisam pagar um único valor chamado “contributo unificato”, de aproximadamente 545 euros pelo processo.

Para essa família, portanto, as custas judiciais atualmente seriam de 545 euros.

Cenário com a nova proposta de taxa de 600 euros

Se a proposta de lei que estabelece uma taxa de 600 euros for aprovada, a mesma família de 10 pessoas teria um impacto financeiro muito mais significativo. O cálculo ficaria assim:


- Valor da taxa proposta por pessoa: 600 euros;

- Número de requerentes: 10;

- Custo total com a nova taxa: 600 euros × 10 = 6.000 euros.


Com o euro variando acima dos R$5,50 nos últimos tempos, chegando até mesmo na casa dos R$6, essa mesma família aumentaria drasticamente seus gastos com o processo.


Possível solução: justiça gratuita, um direito garantido para brasileiros e outros estrangeiros


A Lei 18 agosto 1993, n. 319, que regula o gratuito “patrocinio” (justiça gratuita), assegura que pessoas sem recursos financeiros, incluindo cidadãos estrangeiros como brasileiros, tenham acesso à justiça na Itália sem custos excessivos.

A legislação italiana prevê que quem não pode arcar com as despesas de um processo judicial pode solicitar o patrocínio gratuito, desde que prove que sua renda anual não ultrapassa o limite estabelecido por lei (atualmente 11.746,68 euros).

Para estrangeiros, incluindo não residentes, a lei também prevê que os rendimentos sejam comprovados com base em certificados consulares, garantindo assim que todos, independentemente de sua situação econômica ou localização geográfica, possam acessar a justiça de forma equitativa.

E agora, considerando as constantes tentativas de dificultar o reconhecimento da cidadania italiana, será que o governo italiano não está preparando mais alguma surpresa que impossibilite inclusive o acesso à justiça gratuita aos ítalo-brasileiros?


A medida é injusta e deveria ser reconsiderada


Segundo David Manzini, a introdução de uma taxa de 600 euros para o reconhecimento da cidadania italiana via processo judicial, conforme proposto no artigo 106 da nova Lei de Bilancio, é uma medida injusta e potencialmente inconstitucional. “Ela infringe o princípio de igualdade, limita o acesso à justiça e impõe uma barreira financeira desproporcional, especialmente para aqueles que possuem direito à cidadania, mas não têm meios econômicos suficientes”, comenta.

O CEO segue dizendo que a possibilidade de gratuito patrocinio conforme previsto pela legislação italiana e a Constituição fortalece o argumento de que a taxa é desnecessária e injusta. “Com base nisso, pode-se chegar à conclusão de que essa taxa deveria ser reconsiderada para garantir que todos os descendentes de italianos tenham acesso equitativo ao reconhecimento de sua cidadania”, conclui.

 

Nostrali Cidadania Italiana

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